OS MULTIPLOS USOS DE FERRADURAS EM CAVALOS MARCHADORES
*Lúcio Sérgio de Andrade
Com frequencia, cavalos marchadores necessitam de algum tipo de ajuda
mecânica para ser tornarem bons marchadores. Entretanto, esclareço
que andamentos impostos não são geneticamente transmissíveis.
Portanto, é imprescindivel que a marcha seja natural, o que implica em
deslocamentos dissociados. O uso de ferraduras pode ser uma
necessidade, em decorrencia da disponibilidade de terrenos duros e
pedregosos para treinamento. Em outros casos, o uso de ferraduras tem a
finalidade de corrigir defeitos na forma dos cascos, alterar a
modalidade de andamento ou incrementar a performance.
Na
maioria dos haras, o serviço de ferreiro é desempenhado pelo próprio
peão, que nem sempre foi devidamente qualificado. Além do mais, ferrar
um cavalo de marcha nem sempre é o mesmo que ferrar um cavalo de
trote. Nos cavalos marchadores, pequenas alterações na angulação dos
cascos ( especialmente dos cascos anteriores ) e no peso das
ferraduras, podem resultar em efeitos drásticos, às vezes
desfavoráveis. Um tipo de ferrageamento indicado para um cavalo pode não
surtir o mesmo efeito em outro cavalo. O segredo é preservar o maximo
da naturalidade, principalmente como forma de prevenir as afecções.
O
ferrageamento é conduzido de acordo com a conformação de cada cavalo, no
que diz respeito a forma dos cascos; eventual desbalanceamento e/ou
desvio de aprumos; ângulo de inclinação das quartelas, ângulo de
inclinação das espáduas; ângulo de inclinação das pernas e dos
jarretes e eventuais deficiências na marcha.
Para
cavalos marchadores, nas modalidades marcha batida e marcha de centro,
a angulação média de cascos anteriores é na faixa de 55 graus, sendo
mais favoraveis as variações abaixo, até 52 graus, tendo em vista que
em direção ao extremo superior há tendência ao endurecimento da
marcha, pelo efeito da maior obliquidade das quartelas, que atuam como
amortecedores. Nos cascos posteriores, para estas mesmas modalidades
de marcha, a angulação sobe para a faixa dos 60 graus, em média. Os
cascos posteriores exercem a função principal de impulsionar, e não de
apoiar, como é o caso dos cascos anteriores, que nos cavalos
marchadores exercem ação extra na tração.
Para
cavalos marchadores, na modalidade marcha picada com excesso de
lateralidade, até o extremo da andadura desunida, os ângulos tendem a
diminuirem, em torno de 50 a 52 graus nos anteriores e 55 graus nos
posteriores, ou até menos, pois há uma prevalência de animais
acurvilhados nestas modalidades de marcha. Uma curiosidade é que na
raça americana Tennessee Walking Horse já foram determinados ângulos
de 48 graus para os cascos posteriores e de 52 graus para os cascos
anteriores, o que atesta a tendência aos posteriores acurvilhados
nesta raça. Já os ângulos para outra raça americana de cavalos
marchadores, de nome Missouri Fox Trotting Horse ( marcha do tipo
batida ), situam-se na faixa de angulação dos cavalos marchadores
brasileiros ( considerando-se todos os tipos de andamentos marchados )
– 52 graus nos cascos anteriores e 55 a 60 graus nos cascos
posteriores.
Correções na forma dos cascos:
Os
defeitos mais frequentes na forma dos cascos são os talões estreitos
(contraídos), talões escorridos ( adiantados ), parede estreita (com
mais frequencia na região do quartos), desbalanceamento médio lateral
da pinça ou de todo o casco, casco encastelado ( talões excessivamente
altos ), casco achinelado ( pinça excessivamente crescida ).
Correções dos desvios de aprumos:
Antigamente,
o uso de meia ferradura para a correção de desvios de aprumos era
pratica corriqueira. Apresenta a desvantagem de provocar
desequilibrios na sustetanção e na locomoção, favorecendo o
desenvolvimento de diversos tipos de afecções de membros. A técnica
atual é o uso de ferraduras com parafusos nos talões. Gradativamente,
aumenta-se a altura, alterando a regulagem de altura dos parafusos.
São ferraduras indicadas para as correções de desvios mais acentuados,
nos tipos joelhos cambaios e jarretes fechados, ambos prevalentes em
raças de cavalos marchadores.
Correções no tipo de andamento:
A
correção da andadura desunida ( a convencional é quase que impossivel )
pode ser através do uso de ferraduras pesadas nos cascos anteriores e
leves nos cascos posteriores, ou até mesmo não usar ferraduras nos
cascos posteriores. Os cascos anteriores também são ferrados com
grande crescimento das estruturas ( para aumentar ainda mais o peso em
relação aos cascos posteriores, que são devidamente aparados para o
ferrageamento ). Outra alternativa é manter os talões mais altos nos
cascos anteriores. Um terceiro artificio é o uso de correntes nas
quartelas, com proteção de couro, para evitar ferimentos. Todavia,
neste terceiro recurso os resultados são imprevisíveis, pois há risco de
provocar elevação excessiva dos membros anteriores, com
desequiblibrio. Esta seria uma última tentativa, após as duas
primeiras terem falhado.
Muitos
cavalos de andadura apresentam dificuldade para encartar e manter o
galope, especialmente o galope reunido. O treinamento ao galope
somente é iniciado após o sucesso na correção da andadura desunida.
Raramente, o andamento ensinado será a marcha batida, mas sim uma
marcha picada de melhor equilibrio entre apoios laterais e diagonais.
De qualquer forma, ainda será uma marcha que proporciona melhor
equilibrio de sustentação, relativamente à andadura desunida, o que
favorece um pouco mais ao cavalo encartar o galope.
A
correção de uma marcha excessivamente diagonalizada é o contrário. Nos
cascos anteriores, recomenda-se o uso de ferraduras leves, com
angulação mais alta nos talões e pinça mais curta. E nos cascos
posteriores ferraduras pesadas, com pinça mais longa e ângulo menor
nos talões. A tração pode ser aumentada nas subidas de morros, em
estradas de piso preferencialmente regular. As descidas também
favorecem a dissociação dos bipedes diagonais. Ao contrário, no caso da
correção de andamentos excessivamente lateralizados, as descidas não
são favoraveis. Para estas situações, o passo é o andamento melhor
indicado.
Particularmente,
adoto métodos naturais para correções de imperfeições em andamentos
marchados. Caso estes métodos naturais não tenham sucesso, a ultima
alternativa será o uso de ferraduras e/ou de correntes com proteção de
couro, como forma de prevenir ferimentos.
Uma
prática cruel ja foi registrada em muares de marcha trotada (
cruzamento do jumento Pêga, marchador de triplices apoios, com égua da
raça Mangalarga, de marcha trotada ). Alguns muladeiros aparam os
cascos de membros anteriores até o limite da sola, provocando dor, que
por sua vez faz com que o animal marcha apalpando dos cascos
anteriores. O desequilibrio na sustentação tende a provocar a
dissociação entre bípedes diagonais.
Ferraduras de alta performance:
As
ferraduras de alta performance ainda não são rotineiramente utilizadas
para cavalos de marcha no Brasil. As tradicionais são as ferraduras de
pinça quadrada, que exercem a função básica de proporcionar mais
retidão aos deslocamentos, o que se reveste de especial importância
nos julgamentos de morfologia, na etapa da avaliação dos apumos.
Também servem para melhorar o estilo da marcha, além de eventuais
ganhos na regularidade e desenvolvimento. Outros tipos de ferraduras
de alta performance são as frisadas, que favorecem a melhor aderência,
o que pode ser vantajoso em pistas escorregadias. Os desenhos de
frisos são variados.
Independente
de qual seja o andamento desejável, ferreiros nunca devem esquecer os
princípios que fundamentam esta técnica especializada que é o
ferrageamento. Alguns destes princípios:
- As
ferraduras devem estar em tamanho apropriado para os cascos,
proporcionando suporte homogêneo ao redor dos quartos e talões;
- Não pode haver sobras de ferraduras. Estas são como a continuação dos cascos;
- Não se prepara o casco para a ferradura, mas sim o contrário;
- O
ângulo do casco não deve variar mais do que três graus em relação ao
ângulo natural, sob pena de provocar afecções. Nestes casos, o cavalo
precisa se acostumar com a mudança de angulação, que traz estresse
imediato sobre os tendões.
Qualquer
artifício tende a representar solução temporária. A solução
permanente é selecionar bons marchadores, de cascaria saudavel e bem
conformada, bem aprumados, de forte constituição óssea-muscular,
submetidos a um manejo profissionalmente conduzido.
*
O autor é formado em Zootecnia pela UFLA – Universidade Federal de
Lavras-MG, com curso de especialização na Texas A&M University –
USA, pesquisador, escritor, produtor de videos tecno-educativos,
instrutor de cursos, arbitro de equideos marchadores.
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